Censupeg há 2 dias
Tempo de leitura: 11min e 23sec #Carreira

A saúde mental e sua relação com os (des) encontros humanos


Você já parou para pensar o que realmente significa saúde mental? Segundo a Organização Mundial da Saúde (2020), saúde mental é muito mais do que a ausência de doenças. Trata-se de um estado de bem-estar que permite à pessoa desenvolver suas habilidades, lidar com as dificuldades da vida de forma equilibrada, trabalhar de maneira produtiva e contribuir com a comunidade da qual faz parte.

Estar saudável mentalmente, portanto, envolve colocar no mundo suas potencialidades para resolver problemas, construir experiências coletivas e conviver com o outro. Afinal, nossas vidas são feitas de encontros e relações, que são essenciais para o nosso bem-estar psíquico.

Um ponto importante que vem ganhando destaque é o impacto das conexões sociais na nossa saúde. Em 2023, o periódico britânico The Lancet publicou um editorial alertando para os riscos que a empobrecida vida social pode trazer, não só para a saúde mental, mas também para a saúde física. De acordo com o referido editorial, problemas como hipertensão, doenças cardíacas e infecções podem estar relacionados à falta de relações significativas, de vínculos de intimidade e confiança.

Isso nos leva a refletir: não basta apenas estar junto, é preciso criar laços verdadeiros, relações que tenham significado, onde possamos nos sentir reconhecidos e apoiados. Em tempos de hiperconectividade, com o uso excessivo de redes sociais e tecnologia, estamos retrocedendo na construção de experiências compartilhadas.

Para entender melhor esse cenário, podemos recorrer às ideias de Sigmund Freud, criador da Psicanálise. Em seu livro O Mal-Estar na Civilização (1930), Freud nos lembra que viver em sociedade exige renúncias. Essas renúncias, embora difíceis, são essenciais para o progresso cultural, científico, artístico e humanitário. No entanto, na sociedade atual, a busca por produtividade e consumo muitas vezes nos leva ao isolamento, tornando as relações humanas passageiras e instáveis.

Com a consolidação do que alguns pesquisadores chamam de cultura digital, vivemos uma espécie de virtualização da vida. Criou-se um espaço digital que, muitas vezes, substitui os encontros presenciais, feitos de corpo presente. Além disso, as plataformas digitais, com suas lógicas algorítmicas, criaram as chamadas “bolhas digitais”: espaços de interação e consumo de informação moldados de acordo com o perfil do usuário, seus gostos e interesses.

Embora essas tecnologias tenham facilitado o contato entre pessoas distantes, elas também criaram uma ilusão de interação baseada na satisfação momentânea. O usuário, na condição de consumidor, é direcionado pelas plataformas a buscar aquilo que confirma suas próprias preferências, formando espaços fechados onde só se encontra aquilo que já se gosta ou acredita. Assim, acabamos nos deparando com uma espécie de espelho virtual, onde só vemos o que nos agrada, e relações desafiadoras podem ficar em segundo plano. Deste modo, o que Freud aponta, a renúncia como algo inerente as relações humanas, passou a ser algo (ilusoriamente) superado pelos algoritmos.

Esse processo de tecnificação da sociedade impactou profundamente nossas relações presenciais. Segundo estudos recentes, como o de Caetano e Rodrigues (2023), o uso excessivo das redes sociais pode empobrecer a nossa capacidade de lidar com os afetos. Isso acontece porque, ao se organizarem em torno da imagem (geralmente idealizada) e da restrição da linguagem, essas plataformas dificultam o reconhecimento e a expressão de nossos afetos. Como resultado, o outro — suas reações, expressões e demandas — passa a ser visto mais como um pacote de informações a ser consumido rapidamente do que como uma pessoa com sentimentos e histórias próprias.

Quando o outro é reduzido a um conjunto de informações, tendemos a gostar mais do que nos agrada, do que se encaixa nas nossas expectativas. Se algo ou alguém não corresponde ao que imaginamos, muitas vezes, simplesmente descartamos a relação, rompendo o contato, ou na expressão das redes: bloqueando.

Diante de tudo isso, podemos nos perguntar: há uma solução prática? A resposta talvez seja não, pelo menos não de forma imediata. Estamos vivendo um momento histórico que constitui nossa maneira de pensar, sentir e agir. Por isso, o primeiro passo é reconhecer o que há deste cenário social, cultural e tecnológico dentro de nós — aquilo que talvez ainda não percebemos.

Um caminho importante é aprender a conviver com as diferenças, respeitando os ritmos e histórias de cada pessoa. É fundamental abandonar a ideia de que o outro deve se encaixar nas nossas expectativas. Cada pessoa é única, com uma trajetória, sentimentos e percepções que jamais conheceremos completamente. Essa aceitação radical da diferença do outro pode ser o maior gesto de cuidado que podemos desenvolver para as nossas relações.

Cuidar do outro, na verdade, é também cuidar de si mesmo. Nossas relações funcionam em rede, onde cada um tem um papel importante. Elas são permeadas por afetos — emoções, sentimentos e laços que dão sentido à nossa convivência, seja na família, na escola, universidade ou no trabalho. Por fim, pensar em saúde mental é refletir sobre como podemos transformar nossos encontros com o outro em oportunidade para enriquecer nossos pensamentos, afetos e formas de agir.

Vamos construir juntos relações mais saudáveis? Comece hoje fortalecendo os laços que importam.

REFERÊNCIAS:

  • Caetano, Allan Felippe Rodrigues; Rodrigues, Avelino Luiz. Alexitimia e psicossomática: o empobrecimento da linguagem e os processos do adoecer.
  • Revista neurociências e comportamento, v. 01, n. 01, p. 70-78, 2022.
  • OMS, Organização Mundial de Saúde. Saúde mental: Plano de ação 2013-2020. OMS Library Cataloguing-in-Publication Data, Genova – Suíça, 2013.
  • Freud, Sigmund. Obras completas - O mal-estar na civilização, Novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos ( 1930-1936). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v. 18.
  • The Lancet. Loneliness as a health issue. V. 402, p. 79, july, 2023.

Autor:
Fabiano Furlan 
Coordenador do curso de Psicologia e Psicólogo Educacional da Faculdade CENSUPEG

Curso Censupeg

PSICOLOGIA

Você também vai gostar:

Veja como conquistar um salário maior no trabalho

há 4 anos

Grandes Empresas e Cultura de Inovação.

há 3 anos

Saiba como estudar melhor otimizando tempo e estudo

há 4 anos

Saeshinho de malas prontas: uma jornada inspiradora rumo a Criciúma!

há 2 anos

Por que compreender as nuances de cada geração é fundamental para o su...

há 1 ano

Gostou do conteúdo?

Saiba mais em nossas redes sociais